sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A Escatologia na História da Igreja Cristã

Falando em termos gerais, pode-se dizer que o cristianismo nunca olvidou as gloriosas predições concernentes ao seu futuro do cristão individual. Nem o cristão individual nem a igreja puderam deixar de pensar nelas e de nelas achar consolação. Às vezes, porém, a igreja, subjugada pelas preocupações da vida ou enredada em seus prazeres pouco pensou no futuro. Além disso, sucedeu repetidamente que ora pensava mais num elemento particular da sua esperança futura, ora noutro. Nas épocas de apostasia, a esperança cristã às vezes ficava obscurecida e incerta, mas nunca se extinguiu completamente. Ao mesmo tempo, deve-se dizer que jamais houve um período da história da igreja em que a escatologia fosse o centro do pensamento cristão. Os outros loci ou pontos da dogmática tiveram desenvolvimento, mas não se pode dizer isto da escatologia. Pode-se distinguir três períodos na história do pensamento escatológico.
1. DA ERA APOSTÓLICA AO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO. Já no primeiro período, a igreja estava perfeitamente cônscia dos elementos distintos da esperança cristã, como, por exemplo, que a morte física não é ainda a morte eterna, que as almas dos mortos continuam vivendo, que Cristo virá outra vez, que haverá uma bendita ressurreição do povo de Deus, que esta será seguida por um julgamento geral no qual a condenação eterna será pronunciada contra os ímpios, mas o fiéis serão recompensados com as glórias eternas do céu. Mas estes elementos eram simplesmente visto como outras tantas partes separadas da esperança futura, e ainda não tinham sido elaboradas dogmaticamente. Embora fossem bem compreendidos os vários elementos, não se via claramente a sua interrelação. A princípio, parecia que a escatologia estava no caminho certo para se tornar o centro da elaboração da doutrina cristã, pois nos dois primeiros séculos o quiliasma era muito proeminente, conquanto não tão proeminente como alguns gostariam de fazer-nos acreditar. Todavia, como veio a ser, a escatologia não se desenvolveu neste período.
2. DO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO À REFORMA. Sob a direção do Espírito Santo, a atenção da igreja voltou-se do futuro para o presente, e o quiliasma aos poucos foi sendo esquecido. Especialmente sob a influência de Orígenes e Agostinho, conceitos antiquiliásticos se tornaram dominantes na igreja. Mas embora estes conceitos fossem considerados ortodoxos, não foram ponderados exaustivamente, nem desenvolvidos sistematicamente. Havia uma crença geral na vida após a morte, mas volta do Senhor, na ressurreição dos mortos, no juízo final e no reino da glória, mas muito pouca reflexão sobre o modo de sua ocorrência. A idéia de um reino material e temporal abriu caminho para as da vida eterna e da salvação futura. Com o transcorrer do tempo, a igreja foi colocada no centro das atenções, a igreja hierárquica foi identificada com o reino de Deus. Ganhou terreno a idéia de que fora dessa igreja não há salvação, e a de que a igreja determina o adequado treinamento pedagógico para o futuro. Muita atenção foi dada ao estado intermediário e, particularmente, à doutrina do purgatório. Em conexão com isto, a mediação da igreja foi trazida para o primeiro plano – as doutrinas da missa, das orações pelos mortos e das indulgências. Como um protesto contra este eclesiasticismo, o quiliasma apareceu em várias seitas. Em parte, isto constituiu uma reação de natureza pietista contra o externalismo e a mundaneidade da igreja.
3. DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. O pensamento da Reforma centralizou-se primariamente em torno da idéia da aplicação e apropriação da salvação, e procurava desenvolver a escatologia segundo este ponto de vista. Muitos dos antigos teólogos reformados (calvinistas) trataram dela apenas como um adjunto da soteriologia, focalizando a glorificação dos crentes. Conseqüentemente, só uma parte da escatologia foi estudada e levada a uma maior desenvolvimento. A Reforma adotou o que a Igreja eterna, e pôs de lado a crassa forma de quiliasma que apareceu nas seitas anabatistas. Em sua oposição a Roma, também refletiu bastante sobre o estado intermediário e rejeitou os diversos dogmas desenvolvidos pela Igreja Católica Romana fizeram muito pelo desenvolvimento da escatologia. No pietismo o quiliasma reapareceu. O racionalismo do século dezoito conservou da escatologia apenas a simples idéia duma imortalidade incolor, da mera sobrevivência da alma após a morte. Sob a influência da filosofia da evolução, com sua idéia de um progresso interminável, aquela doutrina se tornou, se não obsoleta, ao menos obsolescente. A teologia”liberal” ignorou inteiramente os ensinos escatológicos de Jesus e deu toda a ênfase aos Seus preceitos éticos. Como resultado, ela não tem uma escatologia que mereça este nome. O interesse pelo mundo além abriu alas para o interesse pelas coisas deste mundo; a bendita esperança da vida eterna foi substituída pela esperança social de um reino de Deus exclusivamente deste mundo; e a anterior segurança quanto à ressurreição dos mortos e à glória futura, foi suplantado pela vaga confiança em que Deus pode ter em depósito coisas ainda melhores para o homem do que as bênçãos que ele desfruta agora. Diz Gerald Birney Smith: “Em nenhuma esfera as mudanças de pensamento foram mais marcantes que na parte da teologia que trata da vida futura. Onde os teólogos continuavam falando pormenorizadamente a respeito das ‘últimas coisas’, agora eles expõem em termos algo gerais a barata base para uma confiança otimista na continuação da vida além da morte física.” Contudo, há no presente alguns sinais de uma mudança para melhor. Uma nova onda de premilenismo apareceu, e este não se limita às seitas, mas também achou entrada nalgumas das igrejas dos nossos dias, e os seus defensores propõem uma filosofia cristã da história, baseada particularmente no estudo de Daniel e Apocalipse, e ajuda a fixar mais uma vez a atenção no final dos séculos. Weiss e Schweitzer chamaram a atenção para o fato de que os ensinos escatológicos de Jesus foram muito mais importantes, em Seu esquema de pensamento, do que os Seus ensinos éticos, os quais representam, afinal de contas, apenas uma “Interimsethik” (“ética do ínterim”). E Karl Barth também salienta o elemento escatológico da revelação divina.

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